
O recital propõe um olhar para as histórias e vidas com as quais cruzamos cotidianamente nas ruas. É no espaço público que se dá especialmente o encontro com o outro – e é desse espaço e de seus múltiplos significados que falam as obras interpretadas pelo Quarteto Bratya e pela harpista Maíni Moreno.
Quarteto Bratya
Diego Adinolfi
Felipe Ribeiro
Jonathan Azevedo
Rodney Silveira
Harpa: Maíni Moreno
Quest
Niloufar Nourbakhsh [2’]
Harpa
D’un vieu jardin
Lili Boulanger [3’]
Harpa
L’Eternel rêveur
Marcel Tournier [3’]
Harpa
City of Transition
Joyce Tang [15’]
Quarteto de cordas
Poço de dentro
Thais Montanari [5’]
Inspirada em poema de Hilda Hilst
Quarteto de cordas e harpa
Skye
Freya Waley-Cohen [6’]
Harpa
Conte fantastique
André Caplet [17’]
Quarteto de cordas e harpa


Quarteto de cordas e harpa, Concertos Itinerantes
Ávidos de ter, caminham pelas ruas
Domingo, 12 de novembro, às 10h
Praça dos Namorados
Av. Saturnino de Brito, 80 - Praia do Canto, Vitória - ES, Brasil


Ficha Técnica
“O olho da rua vê o que não vê o seu”. O verso do poeta Paulo Leminski nos diz que, nas ruas, o mundo real acontece, as diferenças se cruzam, o espaço é dividido com o outro. Mas também nos coloca uma pergunta: o quanto de fato estamos atentos, em meio ao cotidiano, àquilo e àqueles que estão à nossa volta? Não nos acostumamos a ignorar, anestesiados, as histórias e vidas com que cruzamos? O recital de hoje é composto por obras que sugerem justamente o exercício de dar um passo atrás e contemplar os espaços compartilhados em que vivemos.
A primeira parte da apresentação traz três obras para harpa solo. Quest é inspirada na jornada pessoal da compositora iraniana radicada nos Estados Unidos Niloufar Nourbakhsh (1992-), em seu desejo de se fazer ouvir perante a multidão e seu preconceito. Em D’un vieu jardin, a francesa Lili Boulanger (1893-1918) recria um jardim que, em meio à paisagem urbana, sugere a possibilidade de contemplação de memórias individuais e coletivas. E L’eternel rêveur, sonhador eterno, integra uma série de obras do francês Marcel Tournier (1879-1951) inspiradas na cidade de Paris.
Em seguida, vamos ouvir City of Transition, da compositora Joyce Tang. A peça é inspirada em textos nos quais o poeta Ya Si (1949-2013) descreve a cidade de Hong Kong. No primeiro movimento, a música apresenta os sons de um bonde solitário em uma noite escura; no segundo, a inspiração vem dos ruídos de feiras e comércios de rua; no terceiro, a imagem é a de um antigo prédio colonial sendo destruído; e o quarto e último movimento corresponde, nas palavras de Tang, a uma “sensação de instabilidade, no espaço e no tempo, de uma cidade em constante transição”.
Harpa e quarteto se encontram, então, pela primeira vez, no programa da noite de hoje, para interpretar Poço de Dentro, escrita por Thais Montanari (1986-) a convite do Festival. A peça nasceu da leitura de um fragmento de “Poemas aos Homens do Nosso Tempo”, da escritora brasileira Hilda Hilst: “Ávidos de ter, homens e mulheres caminham pelas ruas (...). Te pergunto: e a entranha? De ti mesma, de um poder que te foi dado, alguma coisa mais clara se fez? (...) Por que não tentas esse poço de dentro, o incomensurável, um passeio veemente pela vida?”
Para harpa solo, Skye é batizada com o nome da pequena ilha escocesa em que a compositora Freya Waley-Cohen (1989-) passou momentos de sua infância. Na obra, enquanto caminha pelas antigas ruas medievais próximas ao castelo de Dunvegan, ela faz uma viagem pela história, mas percorre também um caminho que a leva à sua própria memória e ao papel que aquela paisagem teve na formação de sua identidade.
O ambiente medieval nos leva, então, à peça final do programa, Conte fantastique, de André Caplet (1878-1925). Escrita para quarteto de cordas e harpa, a partitura é inspirada em um conto do escritor americano Edgar Allan Poe, “A Máscara da Morte Escarlate”. Símbolo da literatura gótica, o texto conta a história do Príncipe Próspero, que, buscando refúgio contra uma doença que assola as ruas da vila, reúne em seu castelo “um milhar de amigos fortes e de corações alegres, escolhidos entre os cavalheiros e damas da sua corte”. Mas a medida prova-se ineficaz, como nos relembra o tocar da meia-noite de um velho relógio de ébano, recriado pelo som da harpa.
João Luiz Sampaio, curador da edição 2023
Sobre o espetáculo
