
A guerra e a intolerância são símbolos da dificuldade do ser humano de compreender e aceitar o outro. Mas, mais do que abordar os efeitos dos conflitos, o programa do barítono Homero Velho, da pianista Priscila Bomfim e da trompista Ury Borges traz peças que nos falam do desejo de sobrevivência, por meio da arte e da poesia.
Auf dem Strom
Franz Schubert [10’]
Poema de Ludwig Rellstab
Trompa, piano e barítono
Elegia das grades
Luís de Freitas Branco [3’]
Poema de Mário Beirão
Piano e barítono
Ó noite, por que há de vir sempre molhada (Eugênio de Andrade)
Fernando Lopes Graça [4’50]
Do ciclo “As mãos e os frutos”
Poema de Eugênio de Andrade
Piano e barítono
Põe-me as mãos nos ombros
Fernando Lopes Graça [2’]
Poema de Fernando Pessoa
Piano e barítono
Tomámos a vila depois de um intenso bombardeamento
Fernando Lopes Graça [2’]
Poema de Fernando Pessoa
Piano e barítono
Profecia do Silêncio
Leonardo Martinelli [4’]
Poema de Júlia Hansen
Trompa, piano e barítono
I thirst
Younghi Pagh Paan [7’]
Piano
SCHerZOid
Margareth Brouwer [6’]
Trompa
Os tons da claridade
Nilcéia Baroncelli [3’]
Piano
The negro speaks of rivers
Margareth Bonds [4’]
Poema de Langston Hughes
Piano e barítono
Silent Songs
Valentin Silvestrov [13’]
Houve tempestades e intempéries
Poema de Ievgueni Baratynski
O espírito dorido é curado pelo canto
Poema de Ievgueni Baratynski
Estação triste! Deleite para os olhos!
Poema de Alexander Pushkin
Adeus, mundo, adeus, terra
Poema de Taras Shevchenko
Piano e barítono


Barítono trompa e piano
A alma é profunda como os rios
Sexta-feira, 17 de novembro, às 20h
Casa de Música Sônia Cabral
R. São Gonçalo - Centro, Vitória - ES, Brasil


Ficha Técnica
Na canção Auf dem Strom, o poeta fala da angústia da viagem em direção à escuridão e ao vento frio de um oceano cinzento e ameaçador. Ele se refere à saudade da terra natal, aos últimos beijos na mulher amada. Mas não poderíamos também ler em seus versos a narrativa de uma outra e ainda mais dura jornada, da sensibilidade e idealização do Romantismo até a crueza e os conflitos do século XX?
É uma jornada rasgada pela miséria, pela guerra, pela fome e pelo absurdo de mortes vãs, cenário descrito nas canções Elegia das Grades, de Luís Freitas Branco (1890-1955), sobre texto de Mário Beirão, e Tomámos a vila depois de um intenso bombardeamento, de Fernando Lopes-Graça (1906-1994), a partir de Fernando Pessoa.
A desumanidade da guerra é exemplo da dificuldade do ser humano de compreender e aceitar o outro. Mas guerras não se travam mais apenas nos campos de batalha. São também cotidianas, com armas substituídas por discursos de ódio, pela perversão da palavra, como a descrita pela poeta Julia Hansen (1984-) no poema Manadas abrem com fogo os caminhos, que deu origem à canção escrita por Leonardo Martinelli (1978-) a convite do Festival, especialmente para o recital desta noite.
Se artistas têm retratado essa temática, chamando atenção para os horrores da intolerância, também é verdade que em muitos casos eles nos falam de formas de resistência – tema muito presente na criação da compositora sul-coreana Younghi Pagh Paan (1945-). I thirst é inspirada na história Ilha Jeju e seus habitantes, mortos em incêndios provocados por milícias e pela polícia quando, nos anos 1940, tentaram se rebelar em favor de uma Coreia unificada e livre da influência japonesa e dos EUA. Em sua obra, Pagh Paan utiliza cantos de pescadores da região, não para relembrar a morte, mas para, em suas palavras, “expressar o espírito indestrutível dos antepassados”.
O contraste entre sutileza e agressividade, recriado pelas possibilidades expressivas da trompa, é o ponto de partida para SCHerZOid, da compositora americana Margareth Brouwer. E nos leva ao lirismo de Os Tons da Claridade, de Nilcéia Baroncelli (1945), pioneira no Brasil na pesquisa e resgate de obras de compositoras. Em seguida, ouviremos The Negro Speaks of Rivers, de Margareth Bonds (1913-1972). A canção nasce dos versos em que Langston Hughes (1901-1967) cria um paralelo entre a profundidade dos rios e da alma humana. Mais do que isso: a evocação de diferentes cursos d’água, em locais e épocas distintas, permite ao homem negro da canção reconhecer seus antepassados escravizados e valorizar a herança de sua cultura.
O recital se encerra com uma seleção do ciclo Silent Songs, do compositor ucraniano Valentin Silvestrov (1937-). São canções escritas a partir de textos de poetas como o ucraniano Taras Shevchenko e os russos Alexander Pushkin e Ievgueni Baratynsky. Elas falam de natureza, do passar do tempo, de tempestades assustadoras. Mas relembram, logo em sua passagem inicial: o espírito dolorido pode sempre ser curado pelo canto.
João Luiz Sampaio, curador da edição 2023
Sobre o espetáculo
